A Depilação e o Aspecto Social dos Pelos no Renascimento

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A depilação, não é um fenômeno moderno. Ela incrivelmente existe desde os tempos das cavernas. Embora os locais do corpo a ser depilados, tenham mudado com o tempo, a remoção de pelos indesejados sempre existiu, tendo suas técnicas e preferências alternado tanto conforme os séculos, quanto devido ao gosto pessoal e a tecnologia necessária para tal empreitada.

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Utensílios egípcios de higiene.

A remoção dos pelos da cabeça e rosto dos homens, não era apenas para fins estéticos e sim, para a sobrevivência. Sabe-se que não só os homens das cavernas fizeram isto, mas os antigos egípcios também. Houve especulações de que para a segurança, raspar a barba e cabelo da cabeça, tiraria a vantagem de um adversário, por este não possuir nada para agarrar durante os combates. Para os homens das cavernas, eles possivelmente notaram que quanto menos pelos possuíssem, menos piolhos e carrapatos teriam para incomodar-lhes.

 

Durante a idade média – ao contrário do período antigo – as mulheres européias não eram tão adeptas à remoção dos pelos do corpo. Em realidade, não seria até o período Tudor elizabethano, que as mulheres européias voltariam de fato a preocupar-se com a depilação. Elas não preocupavam-se em remover os pelos das axilas, pernas ou púbicos. O cuidado era mais voltado à remoção do cabelo na testa, a fim de deixá-la alta, e nas sobrancelhas, para afiná-las.

Cappella_brancacci,_Tentazione_di_Adamo_ed_Eva_(restaurato),_MasolinoO costume dos homens em fazer a barba, apenas retornou com a volta dos cruzados do oriente médio, onde tal hábito de fato, nunca havia morrido.

A igreja sempre desaprovou o ato de mulheres retirarem os pelos do corpo. Em segredo de confissão, os clérigos eram encorajados a perguntar: –

”Se ela arrancou o cabelo de seu corpo, sobrancelhas ou rosto por vaidade ou para agradar aos homens. Isto é um pecado mortal, a menos que ela o fizesse para remediar grave desfiguração, ou de modo a não ser desprezada pelo marido.”

Instrumentos:

Com o retorno dos cruzados (1096-1270), a prática da depilação aos poucos retornou à Europa. Em muitos castelos europeus, construídos entre 1200 e 1600 d.c., uma sala especial era equipada, onde as damas da corte podiam se reunir para se depilar ou os homens, fazer a barba. Durante o Renascimento, a prática de remoção de pelos púbicos floresceu, porém, depois de um certo período, foi desencorajada em muitos reinos católicos.

31-xrST+NXL._SY355_Muitos livros antigos, citam pequenas pinças confeccionadas em liga de cobre ou prata, como parte do arsenal de higiene. As pinças são datadas do século XV e possuíam dobradiças para se fecharem no momento em que não estivessem em uso. Podemos encontrar tal adereço, em alguns kits de higiene femininos que sobreviveram ao tempo.

Um tratado do século XI, chamado ”Trotula de Ruggiero, De Ornatu Mulierum” (Sobre Mulheres e Cosméticos), aconselha um remédio depilatório para as mulheres: –

”A fim de remover permanentemente o pelo; Tire os ovos de formigas, auripigmento vermelho e goma de hera, misture com vinagre e esfregue na área desejada.”

Para a testa alta e sobrancelhas finas, algumas receitas caseiras eram seguidas para tornar a prática mais fácil, como por exemplo, ataduras com óleos, vinagre e esterco de gato, amarradas na cabeça. Algumas mulheres chegavam a remover totalmente os pelos da sobrancelha.

No século XVI, pequenos livros foram propagados, contendo receitas de família e eram muitas vezes chamados de “livros de segredos”. Estes livros continham todos os tipos de receitas que poderiam ser úteis para uma família, incluindo muitas para o uso cosmético. Juntamente com receitas e conselhos de como criar a pele perfeita – receitas para um licor barato e fácil, que poderia ser utilizado para manter a pele lisa, macia e brilhante, ou uma loção para remover todos os tipos de manchas da face, ou manter um olhar encantador – existiam conselhos sobre como remover os pelos de todas as partes do corpo. Juntamente com o renovado interesse em cremes e cosméticos faciais, os tratamentos para a remoção de pelos no corpo, foram crescendo com o passar dos anos. Foi no renascimento, que os antigos costumes medievais de preservar os pelos, foi morrendo.

Pelos Púbicos:
titian-pubes-detDevemos lembrar que com a Reforma ocorrendo a todo vapor no continente europeu, alguns antigos costumes católicos, foram aos poucos saindo de moda e dando lugar a uma nova reciclagem de pensamentos e um deles, foi o modo que lidavam com os pelos corporais. Conforme visto acima, para a igreja católica, a remoção de pelos realizada por vaidade mundana, era um pecado inadmissível, a não ser quando se tratasse do gosto pessoal do marido da mulher em questão. Porém, com a quebra do pensamento católico puritano, alguns reinos reformados passaram a encarar a depilação como um fator mais cotidiano, embora mesmo assim, outros ainda não  tivessem admitido tal ato.

No reinado de Catarina de Médici, uma católica fervorosa, a depilação ainda era fora de moda. Ela proibiu que suas damas de companhia removessem a maioria de seus pelos, principalmente os púbicos.

Algumas pinturas femininas do período, mostram mulheres com pouco ou nenhum pelo na região púbica. Uma vez que pinças eram utilizadas para remover os pelos faciais, elas podiam ter sido algumas vezes, instrumentos para a remoção de outros tipos de pelos corporais, só que em menor quantidade.

Captura de Tela 2014-12-21 às 00.26.46Uma referência a pelos púbicos femininos, é encontrada no conto de Griselda, um romance popular muitas vezes recontado, sobre um marido cruel e sua esposa submissa. Em uma de suas versões, o marido Gualtieri, examina o tipo de mulher que saiu de sua casa, com apenas uma bata para esquentar sua lã ou esfregar seu couro contra o de outro homem, a fim de adquirir roupas melhores. É bastante certo de que a lã e o couro referidos neste, eram os pelos púbicos da mulher. A partir disto, podemos acreditar que pelo menos algumas mulheres mantiveram seus pelos.

No entanto, para contrariar este ponto de vista, Erasmus em sua obra O Elogio da Loucura, fala de uma velha, comprando para si um jovem amante, dizendo: –

”…Hoje em dia, qualquer velho caquético com o pé na sepultura, pode casar-se com uma suculenta jovem dama, mesmo que ela não tenha dote. Mas o melhor de tudo, é ver os homens mais velhos, quase mortos e parecendo esqueletos que saem de suas sepulturas, ainda murmurando: “A vida é doce!”. Tão velho quanto são, eles ainda sentem calor e ainda seduzem uma jovem que contratam por grandes somas de dinheiro. Todos os dias, elas rebocam-se com maquiagem e depilam seus pelos púbicos, elas expõem seus seios caídos e tentam despertar o desejo com suas vozes finas…”

Este texto de 1509, mostra que naquele período, era normal para uma mulher sanar seus pelos púbicos. Se tal prática foi estendida para todos os camponeses, não podemos afirmar exatamente, mas podemos acreditar que estendeu-se por outros países da Europa.

As Seis Mulheres de Henrique VIII:

Muitos leitores interessados no período Tudor, questionam-se qual seria a depilação praticada pelas esposas de cranach_venus_shHenrique VIII. Como um reino recém reformado, é provável que as mulheres passaram a lidar com a depilação de maneira diferente a de tempos outrora, embora isto não possa indicar com embasamento o suficiente, qual a escolha pessoal realizada por elas.

Conforme sabemos, Catarina de Aragão era católica devota e Jane Seymour e Ana de Cleves (a terceira, em algum momento de sua vida) também foram. É muito provável que Catarina de Aragão, assim como Jane, tenha sido adepta à uma depilação mínima, apenas nas sobrancelhas. Era comum no período, que as mulheres exibissem sobrancelhas finas, mas nada além disto, ainda mais considerando a visão católica pecaminosa por trás de tal ato¹.

Ana de Cleves, nasceu e cresceu em um reino protestante, tendo provavelmente visto de perto, a maneira como as mulheres lidavam com seus pelos corporais². Porém, uma vez que era filha de uma mãe católica restrita, é provável que Ana não tenha familiarizado-se com tal pratica (ainda mais considerando que Ana converteu-se ao catolicismo no final de sua vida). Uma teoria que reforça tal ponto, foi baseada em um relato de Henrique VIII sobre sua quarta esposa. Neste relato, o monarca declarou que Ana fedia. Muitos estudiosos afirmam que, um cheiro corporal mais destacado, poderia ter sido proveniente de pelos corporais e/ou uma maior produção de hormônios. Porém, é importante ressaltar que muito do que fora dito sobre Ana de Cleves por Henrique, é considerado irrelevante, uma vez que o mesmo demonstrava desgosto por não haver contraído matrimônio com uma mulher que ele mesmo escolhesse.

Captura de Tela 2014-12-21 às 00.30.12Quanto à Ana Bolena, Catarina Howard e Catarina Parr, é provável que não tenham ido muito além das citadas acima. Catarina Howard, certa vez declarara que conhecia receitas e técnicas que a impediam de conceber. Conforme visto acima, muitas destas técnicas podem ter passado de família para família, nos famosos livros de segredo. Portanto, não é impossível acreditar que a jovem Howard, possa de alguma maneira, ter tido contato com tais técnicas, embora isto não seja o suficiente para alegar se ela era ou não, adepta à elas.

Já Ana Bolena, pode ter conhecido tais técnicas, uma vez que esteve presente em outras Cortes na Europa e Catarina Parr, por ser protestante convicta, pode não ter acreditado no pecado que envolvia a depilação segundo os católicos, mas novamente, não há registros fortes o suficiente para que tenhamos algum embasamento mais profundo que os apontados acima.

Receitas:

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Uma receita datada de um livro dos segredos de 1532, fornece a seguinte dica para a remoção de pelos corporais:

”…Como remover o cabelo de qualquer parte do corpo:

Ferva junto uma solução de um litro de arsênico e 1/8 de litro de cal virgem. Vá para uma sala fechada e esfregue a mistura na área a ser depilada. Quando a pele ficar quente, lave rapidamente com água quente, para que a carne não saia…”

image022Caterina Sforza em seu livro Experimenti (basicamente um livro de segredos, compilado por volta da virada do século XVI), fornece mais ou menos a mesma instrução, mas aconselha que você deve deixar a mistura sobre a pele “o tempo suficiente para rezar dois Pai Nossos”.

Neste livro de Caterina Sforza, existem nove receitas para tal fim; incluindo uma feita com banha de porco, mostarda e zimbro e outra envolvendo uma destilação a partir de andorinhas.

Uma outra compilação de meados do mesmo século em Bolonha, possui uma seção inteira chamada ”tratado sobre como remover os pelos do corpo de várias maneiras, para que eles nunca mais voltem”, onde aconselha a mulher para que deleite-se em manter-se limpa e para isto, seu rosto precisará de um creme depilatório, que remove de forma limpa, os cabelos sem graça em vários lugares do corpo de uma mulher. Neste livro, existem nada menos que 16 receitas sobre o assunto. Esta nova variedade de receitas, é igualmente perceptível em livros subsequentes, que começam a conter receitas para uso diário, ao invés de uso único, com ingredientes menos voláteis, que podem ser obtidos de forma mais barata e serem utilizados em casa.

Há uma outra receita particularmente memorável, em um livro datado de 1532, por exemplo, onde recomenda que as mulheres lavem a área em que o cabelo está, e remova-os utilizando uma mistura de excrementos de gato e vinagre.

Estética e meio social:

Captura de Tela 2014-12-21 às 00.57.08A remoção de pelos não era apenas para fins estéticos. Como Cavallo fez notar, existia uma crença do início do período moderno, de que o cabelo era uma excreção do corpo, que em excesso, precisava ser removida. Um registro de 1626, sugere que o surgimento de muito cabelo, criaria uma proliferação de vermes e sujeira, embora tenha de ser ressaltado, que há pouca evidência de remoção de pelos do corpo de homens por este motivo.

Na realidade, muitos acreditavam que a pilosidade em mulheres, poderia ser uma representação visual de desequilíbrio de humores. De acordo com registros médicos do período, as mulheres eram de natureza fria e úmida, ao contrário de seus companheiros do sexo masculino, que eram quentes e secos, e acreditavam que o calor e secura, era a fonte de pelos no corpo de uma pessoa. Deste modo, o médico espanhol do século XVI, Juan Huarte escreveu que: –

”…Ter muitos pelos no corpo e pouca barba, é uma clara indicação de baixos níveis de frieza e umidade, e se o cabelo é escuro, então níveis ainda mais elevados de calor e secura estão presentes. A temperatura oposta, cria uma mulher que é lisa, sem barba ou pelos do corpo. A mulher de níveis médios de frieza e umidade tem um pouco de cabelo em seu corpo, mas ele é leve e loiro. Naturalmente, a mulher que tem muito pelo no corpo e face (sendo de natureza mais quente e seca) também é inteligente, mas desagradável e argumentativa, musculosa, feia, tem uma voz profunda e problemas de fertilidade freqüentes…”

homem-vitruvianoNo Renascimento, assim como atualmente, a medicina, higiene e beleza, eram intimamente interligadas. Na obra ”La Lozaan Andaluza”, de Francisco Delicado – publicada em Veneza em 1528 – ele narra o conto de uma prostituta andaluz em Roma, chamada Lozana, que passa por todos os tipos de desventuras sexuais e também oferece tratamentos de beleza para clientes do sexo feminino. Lozana declara que em um determinado bordel romano: “Você vai ver mais de dez prostitutas, algumas que irão arrancar suas sobrancelhas e outras que irão raspar suas partes íntimas”, e mais tarde, narra uma história de como “por erro, queimou todos os pelos das partes íntimas de uma senhora de Bolonha, e colocou manteiga sobre ela, de modo a fazê-la acreditar que estava em grande estilo”. Mais tarde, algumas mulheres chegaram à Lozana querendo alguns cosméticos e pomadas, e pedindo para que ela as ensinasse como raspar o pelo em seus corpos femininos.

A expectativa masculina sobre o corpo feminino, assim como a pressuposta expectativa feminina sobre o corpo masculino, desenvolta em uma sociedade em plenos movimentos de reforma religiosa, poderia ter levado a um eficaz alto policiamento de aspectos corporais naturais. Pode ter sido a partir deste período, que novos parâmetros de visões sociais de beleza em relação aos pelos corporais, podem ter sido desenvolvidos.

Conclusão:

©Photo. R.M.N. / R.-G. OjŽdaO filósofo britânico, Terry Eagleton, abordou em 2001, uma teoria que “nem todos os estudantes sobre a cultura dos povos, são cegos ao narcisismo ocidental envolvido no trabalho sobre a história dos pelos púbicos…”. Como vários especialistas indignados da história dos pelos púbicos têm notado (e sim, eles existem), a investigação sobre os hábitos de cuidados pessoais da mulher, é em muitos aspectos, o estudo de sistemas de desigualdade de gêneros – em especial à internalização da noção de que o corpo da mulher é imperfeito, a menos que seja alguma forma, modificado.

O estudo de cosméticos fora por muitos séculos, admitido como frívolo – e certamente continua sendo, segundo o ponto de vista de muitas pessoas. É difícil não ver algum tipo de sexismo, ou até mesmo misoginia, sendo aplicada como uma razão estrutural sobre o porque este assunto é tantas vezes ignorado, mesmo possuindo abundância de material de fonte primária disponível, passíveis de fornecer-nos uma visão quotidiana sobre a vida das mulheres, desde seus aspectos mais íntimos.

Embora não tenhamos como traçar uma conexão causal referente ao surgimento deste cuidado e a identidade corporal feminina, agora é hora de fazermos algumas perguntas e livrar-nos de tabus impostos por nossa sociedade.

Índice:
1 – ”Era comum no período, que as mulheres exibissem sobrancelhas finas, mas nada além disto, ainda mais considerando a visão católica pecaminosa por trás de tal ato¹”:
Embora reformada, a igreja inglesa permaneceria boa parte da dinastia Tudor, conservando preceitos católicos, especialmente uma vez que Henrique VIII viveu e morreu como tal.

2- ”Ana de Cleves, nasceu e cresceu em um reino protestante, tendo provavelmente visto de perto, a maneira como as mulheres lidavam com seus pelos corporais.”: Tais aspectos são bem observados a partir de pinturas alegóricas de artistas alemães como, Lucas Cranach – o Velho (1472/1553), em telas como ”As três Graças” ou ”Diana e Acteon”.  

FONTES:
Rosalie Gilbert: AQUI.
History Undressed: AQUI.
On the Tudor Trail;
Renresearch: AQUI.

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3 comentários Adicione o seu

  1. Marita disse:

    Gosto demais do blog, sou professora de História e doutora em Sociologia. Acompanho também a página no FB, parabéns.

    1. Tudor Brasil disse:

      Muito obrigada pelo comentário Marita, fico muito contente com sua opinião!
      P.S: Tomei liberdade de editar a última parte, mas vou seguir com carinho o que disse. 🙂

  2. Ludmilla Braga disse:

    Muito interessante a descoberta de Juan Huarte! Quando li, logo veio em minha mente a questão do hirsutismo presente em mulheres com síndrome do ovário policístico. Faz muito sentido! Ele percebeu algo onde, hoje em dia, alguns médicos ainda não conseguem diagnosticar.

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