A Síndrome de Down no Período Tudor e Renascimento Europeu

Muitas pinturas do Renascimento, mostram bebês e crianças com Síndrome de Down, retratados como querubins ou como o menino Jesus. Várias explicações para isto foram apresentadas. Alguns estudiosos disseram que no período, as pessoas acreditavam que quem possuía alguma deficiência, seja física ou mental, era um ser divino e abençoado por Deus, tendo por isto, um lugar especial ao lado de papas, bispos, reis, nobres e cavaleiros, que buscavam sempre tal companhia. Eles acreditavam que iriam ganhar o favor de Deus, caso fornecessem ajuda e compaixão à tais pessoas.

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Detalhe de uma pintura belga, onde estudiosos supõem que o homem da esquerda seja portador de Síndrome de Down.

Se isto fosse verdade, o renascimento teria sido então, um período de ouro para pessoas com deficiência, sendo elas não apenas socialmente aceitas, como vistas como modelos de seres divinos ou santos. No entanto, infelizmente esta teoria não é inteiramente verdade ou fora inteiramente aplicada. Durante o século XVI e XVII, existiam dois pontos de vista sobre pessoas com deficiência; elas eram consideradas ou como inocentes, pessoas sem características humanas normais, ou relacionadas à Satanás e portanto, pecaminosas.

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Exemplar do Malleus Maleficarum.

Em 1480, um livro inquisitório de caça às bruxas fora amplamente divulgado. Seu nome era Malleus Maleficarum. Em algumas áreas onde havia grande superstição, quando uma mulher dava à luz a uma criança com deficiência, elas eram muitas vezes mortas ou sacrificadas. As pessoas acreditavam que um bebê que nascia com uma deformidade ou deficiência, não era um bebê que nasceu de sua mãe e sim, uma substituição deixada por fadas e demônios.
Tal ponto de vista, foi adaptado do folclore pagão, recebendo explicações cristianizadas da história, que diziam que isto ocorria quando os pais eram culpados de alguma maldade, que amavam a criança mais do que amavam a Deus, ou que a mãe havia sido seduzida pelo demônio. A superstição considerava que uma criança com alguma deficiência, também poderia trazer má sorte ou maldição.

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Martinho Lutero.

Martinho Lutero conheceu um menino, possivelmente portador da síndrome de Prader-Willi. Ele tinha 12 anos de idade e a aparência de uma criança normal, no entanto, era bastante quieto e introspectivo, com dificuldade de aprendizado e diferente dos outros camponeses. Lutero então, ia sugerir que o garoto fosse afogado, pois acreditava que este não possuía alma, mas ao invés disto, recomendou uma oração, para que Deus levasse o demônio para longe. A criança morreu no ano seguinte.

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Jane Foole, a Bobo da Corte em um retrato de Henrique VIII.

Durante a Idade Média e Renascimento, pessoas com deformidades físicas ou deficiências, também eram muitas vezes mantidas como bobos da Corte. Jane, o bobo da Corte nos tempos de Ana Bolena, Lady Mary e Catarina Parr, segundo alguns especialistas, apresentava características faciais semelhantes a Síndrome de Down.

Inicialmente, foi considerado que Will Sommers, o bobo da Corte de Henrique VIII, era um inocente – termo que designava pessoas com deficiência, que por isto, eram livres de pecados -, pois era corcunda. No entanto, corcundas não entravam em tal distinção, embora lhes fossem atribuídos dons especiais, como o da profecia.

Segundo a tradição, o astrônomo Tycho Brahe (1546-1601), teve como companheiro um homem com deficiência, que Brahe acreditava possuir revelações divinas.

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Paracelso.

Paracelso, um médico suíço (1493-1541) que revolucionou a investigação médica e científica, fez algumas observações sobre deficiências mentais. Ele descreveu em seu herbário, um remédio para a cura da ‘demência e loucura’: –

Coloque na cerveja – cássia, lupinos, tremoços, stachys officinalis, senna, Agrostemma githago e água benta e deixe que seja ingerida…”

Com a dissolução dos monastérios e consequentes mudanças econômicas, isto significou que outras pessoas além da igreja, teriam de proporcionar o bem-estar social para o crescente número de pessoas carentes, inclusive com deficiências.
A lei elizabetana, tornou um dever da paróquia cuidar de pessoas pobres ou incapazes, mas também sublinhou que aqueles que fossem capazes de trabalhar, deveriam fazê-lo. Haviam punições para pessoas que pudessem trabalhar e não o faziam e era dever da paróquia, verificar se possuíam tais condições.

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Bethlem Hospital.

As pessoas deficientes, inicialmente deveriam ser cuidadas por membros de sua própria família, porém, se estes morressem, ela seria encaminhada à uma paróquia. Registros do século XVII e XVIII, mencionam pessoas com dificuldade de aprendizagem, descrevendo-as como idiotas, estúpidas, inocentes, tolas, ou loucas – para doentes mentais. Se o cuidador oficial deles neste local morresse, eles então teriam de ser passados para outros párocos ou cuidadores. Ás vezes, eles chegariam a receber um subsídio de vestuário.

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William Harvey.

O Hospital Bethlem ou Bedlam, foi transferido para a cidade de Londres. Em 1598, uma comissão que foi apontada para inspecionar Bethlem, achou-o “tão imundo e repugnantemente mantido, que não é apto para que qualquer homem entrasse no local”. Houve um intento para que pessoas que colocassem loucos ou deficientes em Bedlam, pagassem por suas manutenções. Acreditavam que as famílias que não pudessem cuidar de uma pessoa deficiente ou mentalmente desequilibrada, deveriam pagar por sua manutenção e cuidados em outros locais.

Ás vezes, uma pessoa com deficiência era cuidada em seus próprios aposentos por um criado, este seria o início dos manicômios privados. Foi alegado que o médico William Harvey, tinha um sobrinho, William Forbes, que possuía deficiência.

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Paciente do Bethlem Hospital.

No início do século XV, a maioria dos hospitais, asilos e casas de leprosos, não prestavam assistência médica a seus internos. Durante o século XVII, hospitais que prestavam cuidados aos deficientes cresceram e no século XVIII, tornaram-se mais comuns instituições onde pessoas mentalmente impossibilitadas, desequilibradas ou deficientes, eram mantidas, porém, uma vez que a loucura não era vista como problema médico, tais locais serviam apenas de refúgio ao invés de hospital em um sentido moderno da palavra.

Em 1615, em um dicionário jurídico, “uma exposição de certos termos difíceis e obscuros…. unidos” traz a definição de que um ‘idiota’, é um tolo natural desde o nascimento, que não sabe como contabilizar, nomear pai ou mãe, ou desvendar questões de fácil compreendimento, de modo que para eles, pareciam não possuírem nenhuma forma de entendimento Site-of-first-Bedlam.jpgou razão, nem governo de si mesmos, seja para lucro ou infortúnio.

Em 1650, os gestores de Bedlam tentaram fazer uma distinção entre os ‘loucos curáveis’ e ‘pessoas perigosas para a sociedade’, que deveriam portanto, estar em um hospital, ao contrário dos considerados apenas tolos. Ou seja, todos que apresentassem de algum modo, perigo para si ou seu meio, deveriam estar em um hospital e as pessoas com deficiência, porém que não representassem perigo, eram inofensivas e por tal motivo, não mais deveriam ficar em tal local. Era necessário por isto, identificar se a pessoa era uma ‘lunática’. O termo lunático, foi criado para identificar pessoas que eram mentalmente desequilibradas, das consideradas sãs.

Síndrome de Down na Arte do Renascimento:

Acreditam que uma pintura flamenga do século XVI retratando a natividade, tenha sido uma das primeiras representações européias da Síndrome de Down. O anjo retratado na esquerda e possivelmente o pastor ao fundo, no centro, eram portadores da síndrome.

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Pintura flamenga que acreditam ter sido a primeira representação de SD na Europa.

De acordo com Levitas e Reid, autores de ‘An angel with Down Syndrome’, a representação angelical de um indivíduo com síndrome de Down na pintura flamenga da natividade, era bastante simbólica e poderia indicar que o artista tinha afinidade com pessoas portadoras de tal condição. Ele também levanta questões sobre o status e valor das pessoas com necessidades especiais na sociedade medieval e renascentista.

Andrea Mantegna, foi um pintor italiano que dizem ter representado Cristo como uma criança com síndrome de Down em três pinturas diferentes. Acreditam que a criança que serviu de modelo, foi filha do pintor, ou membro da influente família Gonzaga, que contratou seus serviços.

Dr. Brian Stratford, especialista em deficiência de desenvolvimento na Universidade de Nottingham, infere que Mantegna e Gonzaga queriam destacar seu apreço compartilhado de crianças com síndrome de Down à humanidade, “Talvez Mantegna tenha visto nestas crianças, algo além de suas deficiências que agora tanto ocupam nossa atenção; talvez

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Pintura de Mantegna.

tenha reconhecido mais facilmente, suas qualidades de amor, perdão, bondade e inocência. Mantegna pode ter visto em tais qualidades, um representativo maior de Cristo, que muitos consideram atualmente…”.

Anselmus de Boodt, mineralista, erudito e médico de Rudolf II de Praga, tinha uma irmã possivelmente com Síndrome de Down. Um tríptico religioso de sua família, pintado por Pieter Porbus, em 1573, é a fonte para tal afirmação.

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Notem o painel à esquerda (cliquem para aumentar).

Conforme vemos na imagem acima, o painel à esquerda, mostra seu pai de mesmo nome (Anselmus de Boodt Sr.), com seus sete filhos. Anselmus de Boodt é retratado no centro do painel, diretamente atrás Anselmus Sr.

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Irmã de Anselmus.

No entanto, é o painel direito que é interessante para nós. Ele retrata a mãe de Anselmus, Jeanne e suas três filhas. É a irmã de Anselmus, diretamente atrás de Jeanne, que supostamente possuía Síndrome de Down.
Embora pouco saiba-se sobre sua vida, não pode-se negar que neste retrato, ela possua muito dos marcadores de tal condição; como porte pequeno, nariz arrebitado e ponte nasal achatada.

Conclusão:
Do Renascimento (e período Tudor) para cá, as coisas mudaram bastante, porém lentamente. A legislação sobre discriminação à deficiência, trabalha a inclusão, embora ainda não vá longe o suficiente.
Claramente, em retrospectiva à cinquenta anos atrás, houve uma grande melhora na compreensão e luta por pessoas portadoras de condições especiais, mas ainda há um longo caminho a ser trilhado.
Resta-nos esperar que durante o século XXI, os danos causados nos séculos passados, possam permanecer no passado e que deste modo, o futuro traga consigo a possibilidade de uma perspectiva mais justa e que possa trazer direitos iguais, não apenas à pessoas com Síndrome de Down, mas também às portadoras de qualquer condição especial.
Nossa intenção com este artigo, é que o assunto chame atenção de cada vez mais gente, que passem então a compreender as histórias destas pessoas e acima de tudo, sua luta por igualdade e oportunidades sociais.

FONTES:
DownWitDat: Aqui.

Down Syndrome Pre-natal testing: AQUI.
Query Blog: AQUI.
Caslater: AQUI.


 

 

2 comentários Adicione o seu

  1. Por estas informações, estou concluindo as origens das políticas publicas de assistencia social do mundo contemporâneo, dos manicômios, do 3º setor da economia brasileira e mundial, e da influência das crenças nos “tratamentos” dados aos supostos “deficientes”.

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